23/02/2017
Após dez anos da Conferência de Aparecida, o 6º Simpósio
de Missiologia, que acontece em Brasília (DF), avalia os avanços e as
resistências na implementação de suas propostas para uma Igreja missionária. O
evento reúne ao longo desta semana, dias 20 a 24, no Centro Cultural
Missionário (CCM), cerca de 70 pessoas entre teólogos, missiólogos,
pesquisadores, representantes de instituições missionárias e agentes de
pastoral de todo o Brasil.
Para falar sobre os “(Des)compassos de uma Igreja em
saída: dez anos após Aparecida”, o Simpósio recebeu, nesta quarta-feira, 22, o
padre Agenor Brighenti, professor no Programa de Pós-graduação em Teologia da
PUC-Paraná. Brighenti é doutor em Ciências Teológicas e Religiosas na
Universidade Católica de Louvain (Bélgica), especializado em Pastoral Social e
Planejamento Pastoral e licenciado em Filosofia.
Em entrevista, o teólogo destaca os desafios e
perspectivas do Projeto da V Conferência do CELAM. “Hoje, a reflexão teológica
e o magistério da Igreja convergem. Temos um papa que dá muitas esperanças à
caminhada da Igreja na América Latina. Mas nos últimos dez anos podemos dizer
que estamos ainda iniciando esse processo de colocar a Igreja em saída na
perspectiva missionária”, avalia o teólogo Agenor Brighenti. Confira a
entrevista.
Qual a sua avaliação dos dez anos da Conferência de
Aparecida?
Aparecida foi uma grata surpresa. O documento foi muito mais avançado do que parecia em sua preparação. Foi bem recebido pela Igreja ainda que de maneira tímida e com algumas controvérsias. Tivemos depois a surpresa do Pontificado do papa Francisco que projetou Aparecida por meio da Evangelii Gaudium e o documento ganhou relevância. Hoje, a reflexão teológica e o magistério da Igreja convergem. Temos um papa que dá muitas esperanças à caminhada da Igreja na América Latina. Mas nos últimos dez anos podemos dizer que estamos ainda iniciando esse processo de colocar a Igreja em saída na perspectiva missionária dentro de uma visão distinta daquela que predominou nos últimos 20 anos que era um projeto de reafirmar a Instituição, restringir-se aos católicos afastados e enfrentar as “seitas”.
A missão hoje se entende como oferecer gratuitamente a
mensagem do Evangelho. Tornar o Reino de Deus presente nas diversas realidades
por meio da Igreja, mas ao mesmo tempo, interagindo com outras mediações numa
perspectiva ecumênica e inter-religiosa e com as instituições numa parceria.
Quais seriam os obstáculos encontrados na implementação
do Projeto de Aparecida?
As dificuldades são múltiplas. Talvez esbarramos em uma estrutura de Igreja como a paróquia que não é missionária e que às vezes tem à frente um perfil de clero, que apesar das influências do Vaticano II, tem perpetuado o clericalismo em detrimento de uma Igreja com o protagonismo do laicato que deveria exercer o papel principal. Depois temos o laicato que carece de uma formação mais profunda para assumir o seu protagonismo. As oportunidades cresceram, mas ainda temos uma dívida com o laicato que deveria abraçar a proposta de Aparecida de maneira mais consciente.
Em sua palestra o senhor afirmou que Aparecida
representou 500 anos de avanço, mas que chegou à década de 1960. O que quis
dizer com isso?
O Vaticano II procurou atualizar a Igreja depois de praticamente 500 anos de defasagem frente à Reforma Protestante e à modernidade. Mas logo em seguida, tivemos muitas dificuldades para levar à diante a atualização (aggiornamento) do Concílio e aconteceu não só uma estagnação, mas um retrocesso em vários campos: liturgia, teologia, eclesiologia e visão de mundo. As últimas décadas foram marcadas por aquilo que se chamou de involução eclesial, uma volta ao fundamento e à tradição. Nesse sentido, Aparecida evitou um retrocesso ainda maior. Assim foi um avanço por que resgatou o Vaticano II e, portanto, nos colocou na década de 1960. Só que nós precisamos ir muito além trazendo para o novo contexto do século XXI as teses do Concílio que continuam estagnadas. Aparecida também precisa avançar. Nesse sentido, a Evangelii Gaudium de Francisco não só resgata Aparecida como abre a perspectiva de avanço na direção de continuar a renovação do Vaticano II.
Dizem que a dificuldade de consenso está na eclesiologia,
na Cristologia e na teologia.
Quando Aparecida fala que a renovação do Vaticano II está estancada e que faltou coragem para avançar, coloca como referenciais a questão da eclesiologia, uma nova autoconsciência de Igreja. A Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja e a Gaudium et Spes (Alegria e Esperança) colocam a Igreja na ordem do dia, mas um dos obstáculos para poder avançar é criar consenso em torno do conceito de Igreja conforme o Concílio Vaticano II. Isso por que existem outras eclesiologias vindas do projeto de neocristandade e da cristandade que acabam sendo um ponto de estrangulamento na pastoral.
Aparecida também cita espiritualidades que não estão
sintonizadas com a ótica do Concílio que bebe nas fontes bíblicas e da
patrística. Existem espiritualidades que não são eclesiais, ou seja,
alicerçadas na tradição milenar da Igreja. Tem certos grupos, movimentos e
obras que respondem a objetivos imediatos e particulares ou para consumo
individual e não em base à uma fé eclesial. Além dessa questão de
espiritualidade temos a compreensão de uma Igreja toda ela ministerial. Existe
uma dificuldade em colocar os bispos, padres e diáconos nessa perspectiva
ministerial. A tendência é sempre reafirmar que são eles quem comandam, quando
na realidade todos os ministérios nascem do Batismo. Esse é um ponto difícil
hoje por que existe um certo medo de perder a identidade. O Concílio propôs uma
renovação em todos os campos da Igreja e infelizmente nós não estamos
sintonizados com essas propostas.
O Simpósio
Além de incentivar o debate missiológico o Simpósio de Missiologia visa contribuir com a preparação do 4º Congresso Missionário Nacional a ser realizado nos dias 7 a 10 de setembro de 2017, em Recife (PE), com o tema “A alegria do Evangelho para uma Igreja em saída. Este 4º Congresso por sua vez, prepara o 5º Congresso Americano Missionário (CAM 5), que acontecerá na Bolívia, em 2018.
O Simpósio é promovido todos os anos pela Rede Ecumênica
Latino Americana de Missiólogos e Missiólogas (Relami), o Centro Cultural
Missionário de Brasília (CCM), as Pontifícias Obras Missionárias (POM).
Fonte: POM
Nenhum comentário:
Postar um comentário